Este artigo foi escrito pelo estudante do curso de Comunicação e Multimeios da PUC-SP, Gabriel Augusto, para ser publicado com exclusividade aqui no blog da PsicoPucJr! Para mais trabalhos do autor clique aqui.
Partindo do pressuposto de que a inovação tecnológica altera a comunicação e o comportamento humano, o presente texto tem por propósito observar como esse processo tem se dado na era da computação de dados. Reparamos que qualquer tipo de transformação, não é qualidade apenas de fenômenos contemporâneos, pois é possível notar que as tecnologias alteram a comunicação desde suas formas primordiais; como no caso do telégrafo, que, ao transmitir as informações de maneira mais rápida que a carta, alterou a relação de percepção subjetiva do tempo e, consequentemente, o comportamento humano. Por que, então, esse tema tem se mantido em debate neste século?
Ao lançar o olhar sobre a história das tecnologias das mídias, traçamos um panorama da situação. O teórico e historiador das mídias alemão Friedrich Kittler (2005) nos faz lembrar que a comunicação se desenvolveu em relação às plataformas materiais de armazenamento e transmissão de informação – do papiro, papel, pombo-correio ao disco rígido, sucessivamente. No decorrer do tempo, o poder sobre a sociedade aparece diretamente vinculado ao controle desses dados. Entretanto, Kittler (2005) nos chama a atenção para um fenômeno único na história: a invenção da máquina de computar dados. Essa máquina, além de armazenar e transmitir dados, toma para si a função de processá-los; função essa que, do caçador-coletor, caminhando pelo leste do continente africano, às sociedades industriais do início do século XX, sempre foi exclusiva do primata bípede do gênero Homo. O autor nomeia esse momento de paradigma da informação (KITTLER, 2005, p. 75). Tal ocorrência causa transformações profundas, pois, oposto à limitação humana, o computador vem desenvolvendo capacidade ilimitada de armazenamento, processamento e transmissão de dados. Em poucas décadas, as tecnologias saíram dos laboratórios de universidades estadunidenses e chegaram às mãos de quase todos os habitantes da Terra. Hoje, a informação consegue estar, em questão de milésimos de segundos, em todos os cantos do planeta, atingindo dimensões que eram difíceis de serem imaginadas por nossos antepassados.
Desse modo, não apenas estamos mudando corpo e mente, como também estamos ativamente envolvidos nessa transformação. O britânico Roy Ascott, artista e pensador da cibernética, afirmava, já em 1994, que a internet aparece como um desenvolvimento de nosso aparelho sensorial (ASCOTT, 2002). Nossas mentes, antes limitadas social e filosoficamente no corpo, agora flutuam livres no ciberespaço. Estamos a todo o tempo em todos os lugares. É uma questão de consciência. Habitar entre o real e o virtual amplia o que acreditamos ser nossas capacidades genéticas naturais. É o que o autor designa de Cibercepção. Para Ascott (2002), percepção é uma sensação física interpretada pela experiência, ou seja, a maneira como nosso corpo reconhece o ambiente por meio dos sentidos, já Cibercepção significa:
[…] incorporar o senso do todo, adquirir visão panorâmica dos fatos como o
olhar de um pássaro, a visão da Terra por parte do astronauta, a visão dos
sistemas do cibernauta. […] É a percepção simultânea de múltiplos pontos de
vista, uma extensão de todas as dimensões do pensamento associativo, um
reconhecimento da transitoriedade de todas as hipóteses, a relatividade de
todo conhecimento, a impermanência da percepção. (ASCOTT, 1994, p.33)
Nosso mundo de experiências é agora telematicamente compartilhado, já não separamos mais real de virtual. Aprendemos a delegar nossas memórias às máquinas, abrimos mão de nossas privacidades em prol da livre flutuação pelo ciberespaço, criamos redes sociais online com poder de suprimir o tempo cronológico, transformamos o conceito etológico meme (DAWKINS, 2017) em imagens de gatinhos fofos, criamos redes de cooperação globais, elegemos presidentes duvidosos do ponto de vista político, porém exímios influenciadores digitais, dentre muitas outras coisas.
No momento em que este texto é escrito, cerca de um terço da humanidade está em isolamento em função de uma pandemia causada pelo vírus SARS-Cov-2COVID-19. Todavia, o contato social continua fortalecido. Lives, chamadas de vídeo e memes de gatinhos fofos congestionam o tráfego de dados. Todos os âmbitos da vida funcionam online. Conseguimos comer, trabalhar, estudar, nos relacionar e fazer ativismo sem sair de casa. A supressão proposital do tempo das redes sociais nos ajuda sob a condição de permanecia do isolamento.
Não obstante, a partir do momento em que nossas experiências são substituídas, de maneira substancial, por dados, outras problemáticas surgem. Como mencionado, a percepção, antes uma sensação física interpretada pela experiência, vem sendo substituída pela Cibercepção. Nossas experiências tornam-se dados e passam a ser telematicamente compartilhadas. Além disso, o poder sobre a sociedade, que aparece diretamente vinculado ao controle desses dados, faz com que aquilo que antes estava ligado às sensações físicas dos indivíduos, ao adquirir a forma de dados computacionais, possa ser controlado por quem detém domínio de tais informações. Para experimentar já não basta sentir, temos que aceitar termos e condições. No entanto, segundo reportagem publicada no jornal Folha de S. Paulo (SOPRANA, 2020), as camadas mais pobres da população brasileira têm acesso limitado e a alto custo à rede de internet, o que diminui potencialmente o acesso a essas experiências transformadas em dados. Dada a condição, perguntamos: ao ver nosso mundo de experiências ser transformado em dados e esses dados estarem sujeitos ao controle de quem detêm o poder, estamos relegando quem tem menos condições de acesso à ausência de experiências? Visto que a existência humana é associada a conjuntos de experiências, não estaríamos condenando grande parte da população à subexistência ou inexistência? É preciso que questões como democratização de acesso a rede de internet e controle de dados, concernente à experiência humana, mantenham-se em perspectiva.
BIBLIOGRAFIA:
ASCOTT, Roy. A arquitetura da cibercepção. In: LEÃO, L. (Org.). Interlab: labirintos do pensamento contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002. p. 31-37.
DAWKINS, Richard. O gene egoísta. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
KITTLER, Friedrich. A história dos meios de comunicação. In: LEÃO, L. (Org.). O chip e o caleidoscópio: reflexões sobre as novas mídias. São Paulo: SENAC, 2005.
REFERÊNCIAS:
SOPRANA, Paula. Coronavírus altera consumo de internet e fragiliza usuários mais pobres. Folha de S.Paulo, São Paulo, 18 de mar. de 2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/03/coronavirus-altera- consumo-de-internet-e-fragiliza-usuarios-mais-pobres.shtml?origin=folha>. Acesso em: 19 de mar. de 2020.