Annie Kopanakis, Formada em psicologia pela PUC – Campinas e coordenadora de Desenvolvimento Humano no time da Ferroviária em Araraquara, Annie Kopanakis concedeu uma entrevista para o Blog da PsicoPucJr, para falar um pouco sobre futebol e saúde mental durante o período de isolamento social.
O esporte é uma área em que se precisa de muita união e interação. Na época de quarentena, especialmente, em que isso foi colocado em suspenso: qual é a importância de mantermos o contato social?
Usando o exemplo do futebol, a gente se encontrou com um grande desafio pela frente, afinal, esse é um esporte extremamente coletivo e o trabalho é feito em contato, tanto o meu quanto, o da equipe técnica, estamos sempre ali, assessorando os atletas e fazendo intervenções em cada área! E acabou que perdemos esse contato. Fora isso, temos a preocupação com a saúde mental, com as questões sociais e nos vimos tendo de planejar outras formas de intervenção.
Essa é uma situação muito inédita, tanto é que a intenção é até criar um estudo sobre isso posteriormente. Porque aqui, em Araraquara, na ferroviária, estamos conseguindo atender os atletas usando plataformas digitais, realizando sessões de atendimento psicológico online, quando necessário, o que configura um outro tipo de trabalho. Antes estávamos mais voltados para o esporte, agora precisamos oferecer apoio, acolhimento, orientação!
Agora, estamos oferecendo tanto a psicologia, como a assistência social para os atletas e também para as famílias. Fora isso, criei grupos de apoio em que os eles conseguem entrar e onde realizamos interações, tanto para passar o tempo, quanto para facilitar a expressão emocional, para divulgar informação e para criar um ambiente de acolhimento – sempre com um psicólogo e um assistente social. A assistência social entra também pois temos famílias em situação de vulnerabilidade!
Como podemos melhorar a integração de um time que atua no mesmo lugar – em situações normais?
Então, isso é o que eu mais gosto de fazer: trabalhar o time! Foca-se muito em resultado e rendimento, cada psicólogo possui sua própria forma de trabalhar, a minha é muito voltada à atribuição de sentido. Por isso ponho em foco a ideia do atleta de ser enxergado como alguém que produz, alguém que trabalha. E isso não é tão simples no futebol, temos muito essa questão do corpo-máquina, mercado, objeto, enfim, relações que são bem complexas.
Então, quando produzimos sentido, o grupo começa a se reconhecer e passam a buscar aquilo que eles querem que aconteça. Eles passam a se enxergar como seres pensantes, o que faz parte do trabalho que eu realizo; atividades que não têm nada a ver com o futebol, mas que têm como objetivo, fazer com que os atletas se reconheçam como seres humanos. Porque, no começo, quando um time se forma, eles não se conhecem; cada um vem de um lugar, tem toda uma rivalidade e uma disputa pelas posições… então, o que vamos fazer? A primeira coisa é criar um projeto do clube. Criado o projeto, é hora de vivenciar a experiência. E com isso – e isso tem sido a menina dos olhos do meu projeto – eu associo a questão social com a psicologia.
Então este clube acaba exercendo uma função social, e aquele grupo, se vendo fazer aquilo, desenvolve vínculos. O “cara” não é só o zagueiro, o “cara” é aquele que teve a maior dificuldade para pegar a criança no colo e teve de pedir ajuda para o outro. Acabou o futebol! Você começa a vê-los como seres humanos e isso enriquece o grupo. Cada experiência que a gente tem desse tipo mantém o grupo mais coeso.
Essa psicologia gera questionamentos, mas é o que eu acredito e é o que tem me dado resultado!
A psicologia que eu pratico não é a mais comum no futebol. Geralmente, a psicologia do esporte vai por outros caminhos. Eu vou por um caminho bem diferente. Só que está dando certo e as pessoas estão me reconhecendo, reconhecendo o meu trabalho. Mas eu acho que esse sempre foi o objetivo principal da psicologia, a gente que às vezes escapa dele para entrar no mercado.
Eu poderia, se quisesse, produzir um “corpo-máquina”: alguém que produza muito no menor tempo possível, que esteja preparado para dar seu máximo durante uma semana. Mas onde está a sua saúde mental? A psicologia? Porque na semana seguinte, precisaremos de um reserva para esse indivíduo, ele não vai dar conta.
Assim, temos que mediar esse trabalho considerando uma série de coisas. Algumas regulações dessas acontecem no futebol por meio de normas, como por exemplo: o uso de hormônios, de certas medicações e de algumas drogas, uso que é proibido.
E a minha grande crítica para a psicologia e para a neurociência é o direcionamento voltado somente para o lado orgânico, a respeito dos limites dos atletas: o que é ou não saudável, o que é ou não adequado fazer, por exemplo, levando a dissociação da psicologia. Enfim, isso é uma reflexão.
Então quando eu quero trabalhar com atletas, começo sempre com um trabalho voltado para a construção do grupo. Depois, vamos se apropriando desse trabalho, vamos entendendo a forma como cada um aprende e, assim, favorecendo os processos de aprendizagem, de amadurecimento, enfim… Cada um caminha de um jeito nesse cenário!
Como podemos melhorar a integração de um time que atua/ passou a atuar à distância?
Deve-se continuar a trabalhar e fortalecer o objetivo em comum, através de atividades possíveis de serem realizadas de forma remota!
Durante a semana propomos desafios, trabalhos para fazer, pensando sempre no futebol! Afinal eles continuam sendo um time, e inclusive estão aprendendo a se acolher, porque nos grupos de apoio, esse movimento de acolher os outros vem dos próprios atletas! Assim, eles retornarão dessa experiência com vínculos muito mais gostosos, criando um ambiente melhor. E eu me preocupo com isso: que, se não fosse o isolamento, acho que nem teria acontecido.
Eu acredito que enxergar o outro é algo muito importante! E ajuda no trabalho! Pensando no esporte, para responder mais claramente: continuamos a ter objetivos em comum e almejamos ser os melhores em campo quando os campeonatos voltarem. E pensando na saúde mental: a gente também tem o espaço de acolhimento.
Pensando no contexto atual, qual é a importância de manterem-se os vínculos com idosos e pessoas que moram sozinhas, mesmo que eles encontrem dificuldades com a tecnologia?
Quando a gente sente medo, angústias, e esse é um momento em que esses sentimentos estão muito presentes, nós precisamos de acolhimento. O acolhimento especializado, feito por um profissional de psicologia, costuma ser muito eficaz para a redução da ansiedade. Então o oferecimento desses espaços para idosos, para
pessoas em geral é de extrema importância!
Para mim é necessário sim investir na educação, fazer chamadas de vídeo, conseguir ver as pessoas de quem gostamos! Conversar cara a cara, não só mandar mensagens, senão não desenvolvemos a capacidade de comunicação. É muito importante ver a expressão das pessoas, olhar nos olhos e sentir que o outro está ali – mesmo que não presencialmente. Isso é muito rico e importante para a saúde mental.
Também é importante mencionar que, por estarmos conectados 24/7, é importante falar sobre o vício e como podemos eliminá-lo ou mitigá-lo.
Precisamos falar sobre ele para que não vire um tabu!
O panorama atual é muito rico para entender o mecanismo do vício: assim que entramos nele, ele se retroalimenta, e isso é a causa do sofrimento, porque se observa que eles fazem mal!
E essa é uma questão muito importante porque as pessoas negam o próprio vício: ao mesmo tempo que percebemos que estamos exagerando em muitas coisas (seja na comida, seja no açúcar, seja nas séries de tv…), o isolamento frustra e contribui para o agravamento dos vícios. As pessoas estão bebendo mais, quem usava drogas está usando mais e quem não usava está se permitindo usar…
O álcool é uma droga, então observamos um aumento do número de casos de violência doméstica, pois o álcool é um propulsor disso! Houve um aumento no número de queixas de famílias que estão tendo que lidar com pessoas embriagadas dentro de casa, então é muito complicado…
O uso do celular também: você pode fazer um monte de coisas, mas não se livra dele. E então é uma questão de conscientização e de abertura de possibilidades. Não adianta bater no problema como se ele fosse algo que quebra. Muito pelo contrário, ele precisa de reflexão, a gente precisa reaprender a pensar, a acolher e se posicionar; dividir com o outro o que a gente pensa e criar formas de reagir a uma situação. Você não fala para um alcoólatra que ele vai parar de beber e ponto final, você trabalha com ele, desenvolve redução de danos, enfim… Há várias formas de trabalhar com isso, mas isso é uma construção. Tem uma relação que se estabelece a partir daí, inclusive.
A psicoterapia é extremamente indicada para entender a causa e a função do vício, possibilitando trabalhar em cima disso. Ela já se mostrou muito eficaz! Dependendo do caso devemos associá-la à terapia psiquiátrico, mas o bom é sempre evitar… a medicação entra em último caso e muito bem indicada por profissionais de confiança.