Julia Orfali Ogawa – Estudante de psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e diretora da área administrativo-financeiro da PsicoPUCJr
Comemora-se em 18 de fevereiro o Dia internacional do Asperger. Mas, afinal, o que é a síndrome de Asperger? Para entendê-la, é necessário saber que ela pertence ao TEA (transtorno do espectro autista) e seus portadores possuem muitas características semelhantes ao autismo clássico, mas em um grau muito mais leve. A fim de compreender melhor o que é, clinicamente, a síndrome de Asperger, este artigo é composto por cinco pontos principais:
O que é o TEA (Transtorno do Espectro Autista)?
Os transtornos do espectro autista têm origem genética (existem mais de 100 genes identificados que fazem parte do TEA) e são favorecidos por fatores ambientais, principalmente durante a gestação (como sangramentos na gravidez, poluição, gestação de múltiplos, idade dos pais por exemplo). As características comuns para o diagnóstico de um indivíduo com TEA são observadas muitas vezes (mas nem sempre!) já durante a infância. Elas são:
1. Dificuldade de comunicar-se e de interagir socialmente;
2. Dificuldade em manter contato visual;
3. Dificuldade em interpretar expressões;
4. Dificuldade de interpretação do contexto de comunicação (por exemplo, de compreender a linguagem figurada, imaginativa);
5. Padrões estereotipados e repetitivos de comportamento;
6. Interesses restritos, nos quais o indivíduo obtém desempenho acima da média;
7. Hiper foco em atividades específicas;
8. QI normal (na maioria das vezes) ou acima da média;
9. Atraso na fala (em graus mais severos).
Estas características podem aparecer em diferentes graus e sua apresentação pode variar de pessoa para pessoa, por isso são enquadradas em um espectro. É importante ressaltar que o autismo não é doença, mas uma condição.
O TEA ocorre em todos os grupos étnicos e classes socioeconômicas, mas acomete meninos cerca de quatro vezes mais do que meninas. Por isso, o diagnóstico de meninas é também mais complexo e, muitas vezes, demora mais a ser feito- muitas mulheres, dependendo do grau de autismo, só descobrem que o são aos 30 ou 40 anos.
Mas, afinal, o que é Asperger?
A síndrome de Asperger é considerada pelo DSM-5[1] (2013) como o grau mais leve de autismo, também chamado de autismo nível 1. Os sintomas comuns são os mesmos do autismo clássico: a retração ou o isolamento social, a dificuldade de interagir com outras pessoas, a restrição de interesses, o hiper foco em algum assunto, a autoestimulação e a dificuldade em compreender expressões e a linguagem figurada. Diferentemente do autismo clássico, não ocorre atraso significativo na aquisição da fala, e os sintomas apresentam-se de forma mais suave. Vale destacar também que os indivíduos com essa síndrome têm inteligência normal ou acima da média; raramente são gênios.
Como é feito o diagnóstico?
Embora o autismo tenha pelo menos 100 genes identificados como determinantes para esta condição, o diagnóstico é, nos dias de hoje, totalmente comportamental. Por isso, ele é feito na presença de um médico e de um psicólogo, e pode envolver também a presença de fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais. Existem alguns métodos que podem ser aplicados no diagnóstico, como ADOS[2] , que testa as capacidades comunicação, interação e as faculdades imaginativas do indivíduo. No entanto, mesmo com o uso desta ferramenta, o diagnóstico pode falhar: isto acontece mais entre meninas, que, geralmente, copiam os comportamentos sociais (quase como um CTRL+C, CTRL+V) que observam ao longo da vida, o que dificulta extremamente o diagnóstico comportamental.
O.K., mas qual é o impacto de ser Asperger na vida cotidiana? Como eu posso ajudar?
O primeiro impacto, relatado por indivíduos com Asperger, é o sentimento de não pertencimento ao grupo social; por exemplo, apresentar dificuldade em estabelecer vínculos e preferir isolar-se das outras pessoas. Mas esta formação de vínculos não deixa de ser importante- pelo contrário, é vital. Por isso, este isolamento causa sofrimento. Ou seja: o isolamento social, muitas vezes, não se dá porque o indivíduo não gosta de gente, mas porque ele não sabe lidar com gente. É importante ressaltar também o fato de que os índices de depressão e suicídio não muito altos neste segmento da população. Assim, ter um animal de estimação é extremamente benéfico, pois este abre portas para a demonstração de afeto e para a criação de vínculos.
O segundo é a dificuldade de sair da “zona de conforto” e de experimentar coisas novas. Assim, estas pessoas necessitam de uma rotina rígida; outro desdobramento desta dificuldade é o sentimento exacerbado de insegurança e vulnerabilidade quando saem dela. Por isso, sentem a necessidade de ter algum nível de controle sobre o que está acontecendo em sua vida.
O hiper foco em assuntos de interesse, a hiper sensibilidade dos sentidos e inclusive a sinestesia acontecem com frequência. Assim, ambientes com muitos estímulos são aversivos. Isto acontece porque a maneira com que se compreende o ambiente é diferente: pessoas que não têm TEA compreendem o ambiente de uma forma mais global, ou seja, sem focar a atenção em um ponto específico. Em uma analogia, é como se focassem no contexto de uma frase e, daí, extraíssem o sentido dela. O indivíduo com TEA, porém, tem uma atenção muito mais focada: na mesma analogia, é como se compreendessem primeiro cada palavra da frase (que, muitas vezes, é polissêmica), para depois tentar compreender o contexto. Dá muito mais trabalho, e cansa mais.
Isto de fato acontece: as pessoas com TEA têm algum grau de dificuldade em compreender expressões figuradas, como, por exemplo, “chover canivetes”, ou “soltar cobras e lagartos”, e para compreender ironias e sarcasmos. Quando se conversa com uma pessoa que tem TEA, o melhor a se fazer é ser direto e objetivo, para evitar
mal-entendidos. A terapia também é um processo fundamental para a compreensão do indivíduo de suas emoções, do seu comportamento, e oferece ferramentas para aumentar a qualidade de vida no geral, como estratégias para a resolução de problemas.
Com estas informações, o que se pode fazer para ajudar estas (e todas) as pessoas, é manter uma relação de respeito: entender as suas dificuldades- todo mundo tem dificuldades- e respeitar o seu espaço: se a pessoa não está confortável, procure fazê-la mais à vontade. Se isso não estiver na sua mão, respeite o tempo e o espaço dela. Evite mal-entendidos: se for tentar fazê-la sorrir, não use sarcasmos ou ironias. Demonstre afeto verdadeiramente- você só tem a ganhar.
Referências:
https://www.youtube.com/watch?v=-Q3fdeVFdJ4&t=728s , acesso em 01/03/21.
https://www.youtube.com/watch?v=H_C66AVONiE , acesso em 01/03/21.
https://www.apa.org/topics/autism-spectrum-disorder, acesso em 01/03/21.
https://www.youtube.com/watch?v=WJmJzx3ujaU, acesso em 01/03/21.
https://www.youtube.com/watch?v=hzT15AZbDWw, acesso em 01/03/21.
https://www.youtube.com/watch?v=-TrUUz4INH8&t=46s, acesso em 01/03/21.
https://www.youtube.com/watch?v=QY2ctCuTWPw, acesso em 01/03/21.
https://www.youtube.com/watch?v=b2cch9FhMJ0 , acesso em 01/03/21.
[1] Diagnostic and Statistical Manual of mental disorders, ou, em português, Manual
Diagnóstico e Estatístico dos transtornos mentais, é utilizado nos Estados Unidos. Outros
documentos, como o CID-10 (Código Internacional de Doenças) utilizado na Europa, ainda
aceitam o termo Asperger.
[2] Autism Diagnostic Observation Schedule