Liderança em tempos de crise

 

Denise PaludettoDiretora de Recursos Humanos, Psicóloga clínica junguiana atuando com processo de terapia para desenvolvimento de liderança. Apaixonada por gente.

 

Se a liderança já traz por si um desafio diário, são nos momentos de crise que a liderança é colocada à prova. Nesse contexto, separam-se claramente os líderes dos antigos chefes.

Os momentos de crise podem ocorrer nas dificuldades econômicas da empresa ou de todo um segmento, podem ocorrer nas crises de identidade e propósito em momentos cruciais como de uma fusão ou aquisição, ou podem ocorrer em momentos doloridos como em acidentes de trabalho ou que impactem toda uma estrutura organizacional. Em diversos exemplos de crises, sabemos que a liderança tem papel importante para manter-se em equilíbrio, comunicar de forma clara, buscar solução e dar direção. No atual momento, vivemos uma crise ainda mais complexa, com impactos e efeitos econômicos, sociais, de saúde, emocionais e de novas formas de gerenciar e de sobreviver e, para trazer ainda mais complexidade ao cenário, não temos previsibilidade de quando isso tende a acabar. Agora sim, temos um pouco do tamanho do espaço em que a liderança precisa atuar. 

Para demonstrarmos a verdadeira liderança será necessário cuidar e atuar em dois aspectos: conhecer e liderar a si mesmo e, então, liderar os outros.

Uma das certezas que aprendi em toda minha prática é que os melhores líderes são os que se conhecem. A liderança inspiradora passa necessariamente pelo autoconhecimento. Como liderar o outro se me falta conhecimento de mim mesmo? Como desenvolver o outro se eu não tenho consciência dos meus pontos de desenvolvimento? Como adaptar a melhor forma de comunicação para cada indivíduo se eu não compreendo qual a minha forma usual de comunicação? Como ter uma equipe que performe e me complemente se eu não conheço minhas próprias fortalezas e dificuldades? E, novamente, colocando como pano de fundo o cenário da pandemia, como lidar com os medos do meu time se eu ainda não compreendi os meus próprios medos?

Nesse sentido, liderar em tempos de crise nos obriga a uma pausa que já deveríamos ter feito, com olhar para dentro, para as próprias reflexões, para o propósito, para as relações que fazem sentido e até para nossos próprios medos. Somos todos humanos e com as mesmas necessidades, sem distinção entre líderes ou liderados. Diante disso, a tal chamada competência de inteligência emocional, que você já sabia que era necessária, deverá ser colocada em prática e como já dito por Jung, “conhecer a sua própria escuridão é o melhor método para lidar com as trevas das outras pessoas”. Uma coisa é fato: o caminho do autoconhecimento te trará boas descobertas, além do conhecimento da sua escuridão. Líderes com alto grau de autoconhecimento estão mais capacitados para identificar pontos fortes e fracos de cada membro da equipe e, a partir daí traçar as melhores estratégias para performance e engajamento. 

A crise mundial e histórica em que vivemos nos mostrou, entre outras coisas, a capacidade de adaptabilidade do ser humano. Em horas, aprendemos novas formas de comunicação, nos aproximamos ainda mais das tecnologias, implementamos o home office (em muitas empresas o modelo ainda era “questionado”), restabelecemos as conexões pessoais por vídeo conferência e desafiamos ainda mais os líderes na gestão e engajamento de seus times. É chegada a hora de mostrar o que é discurso e o que é ser líder na prática!

E, falando em prática, observo muitas novas práticas positivas de gestão de pessoas sendo iniciadas, exatamente pelo fato de o contexto ter arrancado todos da conhecida zona de conforto. Muitos líderes, sempre focados apenas nas tarefas, têm aprendido a fazer acompanhamento individual com cada membro do seu time, outros líderes antes focados na gestão individual, têm iniciado reuniões rápidas e periódicas de equipe entendendo que o fluxo da informação para todos é essencial para alinhar a direção e diminuir os retrabalhos. Muitas dessas reuniões nem aconteciam antes, deixando equipes carentes de uma gestão completa. E, como um dos maiores ganhos dessa crise, tenho observado muitos líderes desenvolvendo a empatia, mostrando de fato a capacidade de se colocar no lugar do outro.

Aqui chegamos ao ponto essencial para liderar em tempos de crise: empatia, confiança, pertencimento. De fato, não há diferença entre o que se é exigido de um líder normalmente. O agravante agora é que esses atributos se tornam muito mais importantes quando precisamos engajar e direcionar equipes que estão totalmente a distância. Estamos todos em um ambiente adverso, nunca vivido anteriormente, aprendendo a administrar todos os pratinhos no mesmo teto e vivendo com um pano de fundo de medo e insegurança sobre nossos empregos e saúde. No retrovisor não há aprendizado, é necessário criar hábitos e novas soluções. Líderes inspiradores são capazes de manter a confiança de seus times, lideram pelo exemplo, falam com verdade e demonstram interesse genuíno pelo outro. Líderes inspiradores não precisam de microgerenciamento e isso, por si só, demonstra confiança no time, criando ambiente de autonomia e credibilidade. Apenas com autonomia as pessoas são capazes de encontrar novas soluções.

Como em qualquer relação humana, a demonstração de cuidado gera no outro a proximidade e consolida a confiança. Não é diferente para a relação entre líder e liderado. Ao demonstrar interesse pelas necessidades de cada membro do time, a liderança compreende melhor os desafios profissionais e pessoais de cada um e torna-se capaz de delegar tarefas corretas, de exigir o melhor de cada um, de reconhecer esforços e superações obtidas. Ao conhecer melhor cada um, por meio do interesse genuíno, o líder ajuda a construção da confiança profissional e, com autoconfiança as pessoas passam a ser capazes de fazer muito mais por si, pelo trabalho, pela família, pela sociedade. O impacto é forte assim: eu me interesso pelo outro, desperto nele sua confiança, ajudo-o a buscar o seu melhor, dou desafios corretos e reconheço suas entregas, criando assim satisfação pelo trabalho, satisfação por sim mesmo, senso de pertencimento e orgulho, que passa a refletido em todas as relações humanas. 

O momento atual nos convida para uma transformação. O momento atual nos convida a voltar para essência, para o propósito de cada trabalho, para o que é simples e verdadeiro, para as verdadeiras intenções e relações. A relação entre líder e liderado é, principalmente, uma relação humana e os novos tempos já nos mostraram que somos um só, em diferentes papeis. O isolamento social nos distancia fisicamente, mas a necessidade humana de cuidado, proximidade e pertencimento permanecem. As muitas tecnologias estão disponíveis para buscar a proximidade, o diferencial virá da atitude de cada líder. Sua liderança está pronta para responder a esse convite de transformação?

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